Músico
Como músico comecei aos 13 anos de idade estudando 2 horas
por dia, depois 4 horas por dia, depois 6 horas por dia, chegando ao máximo de
8 horas por dia até os 19 anos quando começou a contagem regressiva...Vou
explicar...
O músico que vive realmente de música em primeiro lugar
abdica de vida social, em prol do estudo e enquanto os amiguinhos de escola
jogam bola, vão a piscina, vão ao cinema, ele toca, porque em horas vagas ele
ensina, e foi assim que fiz...Estudo minha vida para ensinar minha Eternidade
Foram vindo mais e mais alunos, e cada dia mais passei a ter
menos tempo para os meus estudos e sonhos...
O trabalho com projetos autorais, com gravações e
acompanhando pessoas vai tomando proporções e ou você dorme, ou você estuda, e
por vezes seu corpo o força a dormir, e então você trabalha mentalmente nos
projetos, criando arranjos e tendo ideias.
Aí você começa a ver
que seu trabalho não é valorizado, e para muitos isso coincide com
despesas pessoais, encargos, doenças e problemas familiares, uniões,
separações, pensões, educação dos filhos, escassez de trabalho em períodos do
ano onde o “lepo lepo” manda, e por aí vai, mas você cria coragem todos os dias
se olha no espelho e diz, “vale a Pena”, e assim procede até o teste da saúde familiar ou pessoal, e se
desse você sai convicto, você continua.
Você observa incrédulo, colegas saírem posando de bem
sucedidos com problemas iguais aos seus, e esconderem para parecerem “Rock
Stars” e observa orgulhoso alguns que são bem sucedidos agirem com humildade,
mesmo que poucos...
Você prossegue, e vê muito preconceito, mas luta contra ele,
e vê seus familiares e amigos acharem que você não trabalha se você acorda
tarde, mas ninguem esta ao seu lado quando você termina de trabalhar às 6 da
manhã e ainda nem recolheu os cabos, ou fechou os softwares de gravação, ou
terminou aquele arranjo, e nem terminou de tirar as 45 novas músicas para o
show de sábado.
Aí você se pega com tantos afazeres que esquece de estudar,
esquece de comer, esquece de dormir, e quando come é o que for mais prático,
quando dorme é porque desmaiou no sofá ou na cadeira do computador e quando
estuda é porque percebe que a frase que você gravou no álbum do seu contratante
e que você criou fica mais difícil pra você mesmo executar...E aí você se cobra mais do que qualquer pessoa.
Aí, você percebe que tem caras que tocam por cerveja, ou
para impressionar as mulheres e amigos, ou para ter uma ocupação de fim de
semana para não visitar a sogra, e que por vezes tocam com mais publico, dão
lucro ao bar, mas não querem ganhar dinheiro, ou caras irresponsáveis se
perderem nas drogas por prazer ou por não terem estrutura para lidar com todos
os outros problemas citados anteriores.
É uma “carreirinha”, um “tapinha”, um “pico” e ai o bom nome
da classe vai pro saco, e não para o saco de cheirar cola, mas para o lixo dos
mal vistos...E a gente prossegue apesar disto tudo, passando a vergonha alheia
de quem opta por ser eternamente adolescente no sentido de falsa rebeldia,
porque decide viver um ano a mil do que mil anos a 10, sendo que como o corpo
só é produtivo no 10, faz tudo atravessado, vivendo drogado ou sem
responsabilidade, mas a gente continua...
Aí a gente enfrenta milhares de pessoas que pagam para ver qualquer um com o nome de
“John”, mas quando marcamos um evento, nos perguntam “é na faixa”, e quando
tentamos pedir crowdfunding para um trabalho “mendigo” somos nós...Mas a gente
continua...
Um ano viram 5 que viram 10 e que viram 30 e você ainda se
lembra perfeitamente que queria ouvir sua música no rádio, mas nota que agora
só o youtube importa, e nele, qualquer um toca, qualquer um fala, e qualquer
coisa vale, mesmo que não tenha pé, cabeça ou sentido...e com muita dificuldade
a gente continua...
As ofensas na internet ficam maiores, o calotes inomináveis
as tristezas gigantescas, mas a gente continua...
Você vê pessoas que te puxam o tapete ou puxaram o tapete
pedirem mais e mais de seu tempo, e mesmo sabendo que lida com víboras, opta
por ser cordeiro, e invariavelmente acaba picado, mas a gente continua...
Temos ofertas de migrar de profissão, ou de nos acomodar em coisas que são
secundárias, mas todos precisam e cobram de nós o que fazemos melhor e então a
gente continua...
Vemos nossos filhos crescerem e quando eles tocam temos uma
mistura de orgulho com pavor, por não saber se eles continuariam como nós, ou
se nós iríamos querer que eles continuassem, mas ai nós e eles continuamos...
Morremos muitas vezes sem mostrar ao mundo nossa melhor
canção, nosso melhor solo, ou nosso mais belo verso, e se sozinhos muitas vezes
em pleno anonimato, e até aí nós vamos...
Essa é a diferença de quem sabe que faz algo por que gosta,
por que faz bem, e por que faz certo...
Não importa o resultado e sim o propósito, e com tanta gente
chamando músico de vagabundo porque ousa acordar depois das 10, mas trabalhou
até as 6, e que adora música, mas não
compreende que o artista do qual é fã também é músico (embora o mundo caminhe
para que isto não seja verdade)
Se você sobreviveu ao pop nacional dos anos 80, ao pagode
dos anos 90, ao sertanejo e forró universitários, e agora nessa década enfrenta
o batidão carioca, e mesmo assim você não desistiu, esmoreceu, ou se
vendeu...Parabéns...Essa vitória é sua, e não de seus familiares, parentes e nem
mesmo significa algo material, mas sim espiritual...
Arte é algo que maximiza o sofrimento, e a sensibilidade no
positivo, mas o Ego pode desenfreadamente crescer no negativo...
Artista quer aplauso,
mas quer muito mais respeito...Artista Ama muito mais desenfreadamente do que
odeia...Músico sofre muito mais em silêncio pessoal do que em ruidoso desabafo,
pois em geral as notas e sua criatividade conseguem canalizar as lágrimas,
sorrisos, e sonhos para outras almas de seu público fiel...
Em suma, esquece o lado glamoroso da coisa, esquece do
Hendrix (ele morreu de overdose, e isso não é para ser louvado como bom exemplo
e sim lamentado como estupidez), e se foque no seu músico favorito que é você,
porque acredite, só você vai gostar de sua música e entende-la por muito tempo,
já que mesmo sendo um sucesso, muita gente interpretará seu trabalho como
quiser, e então acredite, você descobrirá que nem ele lhe pertence..
Sabe o que a gente leva...Nossa resiliência e Amor ao que
nem palavras podem explicar...A nossa capacidade de sofrer fazendo as pessoas
felizes, e depois de tudo, mesmo que num asilo, na casa de um filho, ou numa
cobertura, fechamos nossos olhos um dia, e ai é que a gente descobre, que mesmo
assim, a gente continua.
E aí a gente reencontra amigos para aquela conversa que não
terminamos ontem, ficou pra hoje...
Por favor compartilhem esta minha homenagem e desabafo meus
irmãos
Nelson Junior
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